O Amargo e o Doce disso que é ser expatriado
A vida de expatriado nos ensina muita coisa. Na verdade, vida de expatriado nos ensina tudo, seja pela dor, pelo amor, pela saudade ou pela felicidade.
Eu aprendi muito, muito mesmo, e continuo a aprender a cada dia, já que ainda sou expatriado. Resolvi então escrever o que sinto com relação à vida, após deixar o Brasil. São sentimentos tão pessoais que não me atreveria dizer que todos os expatriados sentem o mesmo.
Eu aprendi: que eu não sabia como era, de fato, morar sem minha mãe por perto, arrumando uma coisinha ali e cá o tempo todo; que comida não é só arroz e feijão e mais alguma coisa; a trabalhar sem hora de almoço; a cozinhar (sem destruir a cozinha); a me reinventar todos os dias; outro idioma (e mais alguns); que o mundo é muito maior do que eu pensava e que eu era muito menor do que eu achava; a gostar do Brasil; a gostar de sol e a "largatear" como os alemães fazem, ao deitarem-se na grama e ficar lá (às vezes até pelados) até o sol se pôr, pois não se sabe se o sol brilhará amanhã como hoje; a usar cachecol (sério, eu não o usava antes rs).
Eu descobri: que sou fraco; que tenho medos, e muitos! ; o quão sinto falta da minha mãe, e de suas ligações todas as tardes no trabalho para papear por dois ou três minutos e rirmos um pouco (e como sei o quão isso era bom agora); que desabo sempre que minha mãe fala para não pensar duas vezes para voltar ao Brasil; que não sou tão autossufuciente como eu pensava; que a bicicleta é também um meio de transporte; que meu pai seria um artista de sucesso, por saber tocar violão na Alemanha; que penso em voltar, mas tenho medo, que penso em ficar, mas também tenho medo e que o medo de fracassar é muito maior do que o de descobrir o que está a frente, então sigo em frente; que domingos em família eram bons, mas engordava; me cobro muito mais do que qualquer um já me cobrou um dia.
Eu reaprendi: a conversar; a fazer tudo sozinho; a me vestir; o sentido de liberdade, que não é fazer o que você quer para que todos vejam, mas sim fazê-lo e estar de fato pouco se importando para os outros, já que aqui ninguém liga para você ou para o que você faz; a gostar do meu corpo (aqui eu sou exótico por ser latino rs); a trabalhar.
A vida que eu imaginei para mim não importa mais, pois meus planos mudaram. Quem me disse: mas você vai mesmo? E se não der certo? Não sabe como eu demorei para tomar decisões que mudaram minha vida radicalmente, não sabe como me sinto orgulhoso, feliz, forte, confiante e cheio de vontades, mas ao mesmo tempo triste, fraco e cheio de medos.
Sentir algo que você não sabe o que é e não ter alguém mais experiente por perto que possa lhe dizer o que é, ou o que tomar; é se frustrar ao ver que a pizza não é como a de São Paulo, que as praias não são como as do Rio de Janeiro, que o sol brilha branco e sem calor e mesmo com tudo isso, ainda dizer: é, amo aqui.Eu nunca nutri a ideia de ser fácil morar fora ou de que eu viveria uma constante viagem, pelo contrário, eu sabia que aquele castelo de vidro, que eu tinha construído ao visitar Berlim pela primeira vez, desmoronaria e que eu veria a realidade da vida na Alemanha.
Só quem passou um tempo fora do país sabe como é: acordar e sofrer com apagões idiomáticos, como quando eu acordo e reparo que meu alemão travou (ok, então hoje falo só inglês); experimentar gostos, sensações como se fosse uma criança a conhecer o mundo; criar esperança de como será quando vir a família de novo; ver seus amigos se reunindo e festejando algo do qual você não faz mais parte, até descobrir que você está tão por fora que mal tem coragem de falar com eles; fazer algo muito bom, a ponto de ser premiado, mas não ter para quem mostrar, pois a mãe e o pai estão longe e você não poderá ver nos olhos deles o orgulho.
Eu percebi: que mudei, que me adaptei, que cresci, que amadureci, o que não significa que não tenha perdido muitas vezes, mas ainda assim venci muitas vezes mais.