O Filme Da Vida Moderna
A sociedade caminha por caminhos imprevisíveis, tão ou mais do que terremotos, os quais assolam a face terrestre. Por falar em face terrestre, vamos a suas feridas, os impérios cinza chamados cidades, pois lá é onde a humanidade é mais animal.
A andar pela calçada duma megalópole, deparei-me com um corpo ao chão, estranho ou não, havia um ser a balançá-o, batendo, gritando-o com um olhar de desespero, ainda sem entender o que acontecera. Ao seu lado outros três seres gritavam a todos que passavam a sua volta, não a deixá-los aproximarem-se da cena do crime. As pessoas, sempre atrasadas à vida a qual acontece nesse meio cinza, quase nunca param para ver detalhes dessas cenas do dia-a-dia, elas ficam frias, tornaram-se máquinas modernas. Continuei a observar o desfecho daquela bela, e triste, encenação. Aquele, o que balançava o cadáver minutos antes, deitou sua cabeça sobre o peito do que já não respirava, talvez com o intuito de ouvir o silêncio com o qual toda vida acaba, e os três, os que gritavam, viram-se na inutilidade de gritar às máquinas as quais passavam a sua volta, ao menos elas ainda desviavam da dramática cena.
A mostrar a união, eles arrastaram o corpo sem alma até a guia da calçada e ali permaneceram, assistindo às máquinas que passavam, por si só ameaçadoras, e às massas a movimentarem-se ao longo dos grandes muros cinza, altíssimos alí.
Para eles, algo complexamente simples, e para nós é normal, até natural, ou esperável, ver a cena dum cachorro atropelado em pleno trânsito duma grande cidade. Mas o que mais chocou-me foram os requintes de consciência sobre o que estava acontecendo alí, os quais levaram-me a pensar que os animais estão mais humanos. Ou, muito mais possível, os humanos estão mais animais. São cenas do filme da vida moderna, filme esse no qual somos todos protagonistas.